sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Damares Alves: a face oculta da Lua



Rosilene  Melo, 03 de janeiro de 2019

No dia 20 de julho de 1969 o homem pisava na lua pela primeira vez. A missão Apolo 11 foi um sucesso, pois não só transportou os astronautas Buzz Aldrin, Michael Collins e Neil Armstrong através dos 348 400 quilômetros que nos separam da Terra, como os trouxe de volta em segurança. O foquete Saturn V decolou do Cabo Canaveral no dia 16 de julho e por quatro dias a tripulação seguiu em direção à Lua. Após uma série de manobras arriscadas o módulo Eagle (Águia) pousou no solo lunar. O astronauta Neil Armstrong descreveu o feito em poucas palavras: “a Águia pousou”, disse ele.

Naquele momento cerca de 1 bilhão de pessoas assistia a transmissão ao vivo pela televisão.

Após abrir a escotilha e descer lentamente os degraus que o separava do solo, o piloto Neil Armstrong pronuncia uma das frases mais emblemáticas que conhecemos: “Este é um pequeno passo para o Homem; um salto gigantesco para a Humanidade”. A fotografia das marcas deixadas pelas botas no solo, as caminhadas dos astronautas e a bandeira dos Estados Unidos sendo fixada na Lua estão entre as imagens mais reproduzidas no século XX. Durante as duas horas de trabalho, os astronautas recolheram amostras de rochas e as trouxeram para a Terra.

Estamos no dia 02 de janeiro de 2019, há poucos meses para que sejam passados cinquenta anos deste que foi um dos eventos mais carregados de simbolismo, desde as chamadas Grandes Navegações do século XV. Alguns afirmam que as missões à Lua nada mais representam do que a tentativa de demonstração para a União Soviética do poderio norte-americano. A ida à Lua era um capítulo de uma corrida espacial que somente fazia sentido no contexto da Guerra Fria.

Se motivadas por razões científicas ou por políticas, o certo é que estivemos lá.

Nossas residências e nossas vidas estão cheias de objetos que foram desenvolvidos para as missões espaciais e que foram ao longo destes anos incorporadas no nosso cotidiano: lentes de contato, frigideiras de teflon, fraldas descartáveis e fornos de micro-ondas são apenas alguns dos exemplos de equipamentos utilizados nas missões espaciais e que, com o tempo, passam a fazer parte do nosso dia-a-dia. Na maior parte do tempo, não sabemos ou não pensamos sobre isto.

Pois bem... Ainda hoje muitas pessoas não aceitam as diversas evidências de que um terráqueo pisou na Lua. Diversas versões se multiplicaram desde 1969 para provar que a viagem à Lua seria uma farsa, uma fraude promovida pelos norte-americanos.

Em 1974 o engenheiro Bill Kaysing publicou o livro “We Never Went do The Moon(“Nós Nunca Fomos à Lua). O livro vendeu aos milhares, Bill Kaysing se tornou famoso e é considerado o “pai” de todas as teorias que desejam provar que a viagem à Lua nunca existiu. A obra se assenta sobre uma série de argumentos. A imagem da bandeira norte-americana tremulando levemente, por exemplo, atesta que aquilo que as pessoas assistiram pela televisão não passaria de uma encenação, posto que jamais uma bandeira se moveria num ambiente sem ventos.

Em 1978 o cineasta Peter Hyams lançou o filme “Capricorn One” (“Capricórnio Um”). A obra de ficção científica é situada temporalmente durante a Guerra Fria. No filme, a Nasa lança a missão Capricórnio Um em direção ao planeta Marte. Durante a decolagem os pilotos são retirados da aeronave, que segue a viagem sem os tripulantes. Os astronautas são mantidos em cativeiro e levados compulsoriamente para um estúdio cinematográfico, onde são obrigados a realizar as filmagens em que encenam o pouso e a decolagem em Marte.

Em 1992 o jornalista Ralph Rene publicou o livro “Nasa Mooned America” (“A Nasa Expôs a América”). O objetivo do livro é convencer os leitores de que os Estados Unidos não dispunham de aparato científico para empreender aquelas missões.

Em 2001 o canal de televisão Fox apresentou o programa "Conspiracy Theory: Did We Land on the Moon? ("Teoria de Conspiração: Nós Aterrissamos na Lua?") em que os argumentos são atualizados para provar, mais uma vez, que a viagem à Lua é uma mentira.

No século XXI, pessoas usam de seu tempo livre para sustentar teorias que não resistem perante as inúmeras evidências dos fatos. Alguns acontecimentos requerem inúmeras provas materiais para que nós possamos formular nosso juízo a respeito. Outros, de tão óbvios, ainda precisam de comprovação? É preciso ainda provar que Elvis Presley, Jonh Lennon e Jim Morrison não estão mais entre os vivos?

No Brasil, assistimos nos últimos anos a um movimento, no mínimo surpreendente, de obliteração da realidade. De recusa da razão, de sua negação.

As derrotas dos projetos políticos, a descrença na capacidade do Estado de amparar seus cidadãos, após difíceis cinco séculos, promoveu uma (re)aproximação de parcelas significativas da população com explicações do mundo buscada alhures, longe do raciocínio científico e da busca por soluções para os problemas por meio do exame crítico da realidade. Enquanto o acesso às novas tecnologias se multiplica por um lado, por outro caminhamos de volta para a caverna, iluminados pela luz azul turquesa dos aparelhos de celular, para o reencontro com tempo em que perante os problemas recorríamos às providências do céu. Sob a égide de mitos.

As eleições de outubro de 2018 materializaram por meio do voto, e dos ritos da democracia à brasileira, a consagração de um projeto de poder baseado no pensamento religioso, expresso no lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Uma vertente do nacionalismo cristão que se arvora contra qualquer explicação do mundo que possa vir a ter o que os fundamentalistas brasileiros chamam de “viés ideológico”.

E temos o início de um novo movimento de catequese movido por setores evangélicos em que as crianças estão no epicentro dos investimentos de poder. Daí a investida na escola, enquanto instituição, com vistas a erradicar ideologias supostamente nocivas. E a ideologia bolsonarista elegeu duas frentes de combates: a “ideologia política” (denominada de “marxismo cultural” no dia em que tomou posse pelo ministro da educação Ricardo Vélez-Rodrigues) e a “ideologia de gênero”.

Sob o pretexto de não permitir o debate político, é estratégico se desfazer da ciência.

No entanto, se os problemas da educação se localizassem exclusivamente na doutrinação política ou de gênero nas aulas de História, os estudantes brasileiros deveriam, então, apresentar melhores desempenhos em matérias não ideológicas, como Matemática, Biologia ou Química.

No segundo dia do governo bolsonarista, durante a solenidade de posse no recém-criado Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, a ministra Damares Alves após assumir o cargo gritou palavras de ordem: “Atenção, atenção! É uma nova Era no Brasil: menino veste azul e menina veste rosa!”. A ministra sinaliza que pretende, talvez se imaginando como portadora de capacidades divinas, erradicar do Brasil o amor entre pessoas do mesmo sexo.

A ministra pode até ter poderes divinos, mas se esquece de que, por vontade própria, não possui poderes para alterar o conceito de família em vigor no Brasil. Em 2011 o Supremo Tribunal Federal reconheceu que pessoas do mesmo sexo, se desejarem, poderão constituir uma família, decisão ratificada em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça, através da Resolução N° 175 que retira qualquer obstáculo ao casamento civil ou a formalização de união estável entre pessoas com sexos iguais.

Acreditar que estamos numa nova Era no Brasil, em que é possível suprimir direitos civis através de palavras de ordem e que os cidadãos brasileiros irão dizer amém porque a ministra é pastora é o mesmo que acreditar que nunca pisamos na lua.

Cidadãos brasileiros que pagam impostos e que cumprem as leis do país não são ovelhas.

Tratar meninas que nascem em barracos sem saneamento básico, sem acesso a uma educação de qualidade e com pais desempregados como princesas é querer condená-las a viver com uma venda nos olhos e mascarar a realidade cruel em que vivem. A apologia a um mundo de príncipes e princesas, no Brasil, revela um desconhecimento de nossa história, do genocídio indígena, da escravidão, da concentração de renda. As nossas meninas, desde cedo, travam uma luta diária pela igualdade, pela cidadania. Muitas delas perderam a vida por isso.


O debate proposto pela “revolução cultural” baseada na vigilância ideológica que se anuncia é, no mínimo, tratar com cinismo os reais problemas que atingem a população.

No dia 03 de janeiro, quem sabe movidas por forças divinas, uma sonda chinesa pousou no lado escuro, e sempre oculto para nós, da Lua.

À propósito, no livro do apóstolo Lucas, capítulo 12 versículo 2, está escrito o seguinte: “porque tudo o que dissestes nas trevas será ouvido em plena luz”.

Aviso aos terráqueos: nada que se trama no oculto ficará escondido.

E quem viver, verá.

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