Rosilene Melo, 03 de janeiro de 2019
No dia 20 de julho de 1969 o homem pisava na lua pela
primeira vez. A missão Apolo 11 foi um sucesso, pois não só transportou os astronautas
Buzz Aldrin, Michael Collins e Neil Armstrong através dos 348 400 quilômetros que
nos separam da Terra, como os trouxe de volta em segurança. O foquete Saturn V decolou do Cabo Canaveral no dia
16 de julho e por quatro dias a tripulação seguiu em direção à Lua. Após uma
série de manobras arriscadas o módulo Eagle
(Águia) pousou no solo lunar. O astronauta Neil Armstrong descreveu o feito
em poucas palavras: “a Águia pousou”, disse ele.
Naquele momento cerca de 1 bilhão de pessoas assistia
a transmissão ao vivo pela televisão.
Após abrir a escotilha e descer lentamente os degraus
que o separava do solo, o piloto Neil Armstrong pronuncia uma das frases mais
emblemáticas que conhecemos: “Este é um pequeno passo para o Homem; um salto
gigantesco para a Humanidade”. A fotografia das marcas deixadas pelas botas no
solo, as caminhadas dos astronautas e a bandeira dos Estados Unidos sendo
fixada na Lua estão entre as imagens mais reproduzidas no século XX. Durante as
duas horas de trabalho, os astronautas recolheram amostras de rochas e as
trouxeram para a Terra.
Estamos no dia 02 de janeiro de 2019, há poucos meses
para que sejam passados cinquenta anos deste que foi um dos eventos mais carregados
de simbolismo, desde as chamadas Grandes Navegações do século XV. Alguns afirmam
que as missões à Lua nada mais representam do que a tentativa de demonstração para
a União Soviética do poderio norte-americano. A ida à Lua era um capítulo de
uma corrida espacial que somente fazia sentido no contexto da Guerra Fria.
Se motivadas por razões científicas ou por políticas,
o certo é que estivemos lá.
Nossas residências e nossas vidas estão cheias de objetos
que foram desenvolvidos para as missões espaciais e que foram ao longo destes
anos incorporadas no nosso cotidiano: lentes de contato, frigideiras de teflon,
fraldas descartáveis e fornos de micro-ondas são apenas alguns dos exemplos de equipamentos
utilizados nas missões espaciais e que, com o tempo, passam a fazer parte do
nosso dia-a-dia. Na maior parte do tempo, não sabemos ou não pensamos sobre
isto.
Pois bem... Ainda hoje muitas pessoas não aceitam as
diversas evidências de que um terráqueo pisou na Lua. Diversas versões se
multiplicaram desde 1969 para provar que a viagem à Lua seria uma farsa, uma
fraude promovida pelos norte-americanos.
Em 1974 o engenheiro Bill Kaysing publicou o livro “We
Never Went do The Moon” (“Nós Nunca
Fomos à Lua”). O livro vendeu aos
milhares, Bill Kaysing se tornou famoso e é considerado o “pai” de todas as
teorias que desejam provar que a viagem à Lua nunca existiu. A obra se assenta
sobre uma série de argumentos. A imagem da bandeira norte-americana tremulando
levemente, por exemplo, atesta que aquilo que as pessoas assistiram pela
televisão não passaria de uma encenação, posto que jamais uma bandeira se
moveria num ambiente sem ventos.
Em 1978 o cineasta Peter Hyams lançou o filme “Capricorn
One” (“Capricórnio Um”). A obra de ficção científica é situada temporalmente
durante a Guerra Fria. No filme, a Nasa lança a missão Capricórnio Um em direção
ao planeta Marte. Durante a decolagem os pilotos são retirados da aeronave, que
segue a viagem sem os tripulantes. Os astronautas são mantidos em cativeiro e
levados compulsoriamente para um estúdio cinematográfico, onde são obrigados a realizar
as filmagens em que encenam o pouso e a decolagem em Marte.
Em 1992 o jornalista Ralph Rene publicou o livro “Nasa
Mooned America” (“A Nasa Expôs a América”). O objetivo do livro é convencer os
leitores de que os Estados Unidos não dispunham de aparato científico para
empreender aquelas missões.
Em 2001 o canal
de televisão Fox apresentou o programa "Conspiracy Theory: Did We Land on the Moon? ("Teoria de
Conspiração: Nós Aterrissamos na Lua?") em que os argumentos são atualizados
para provar, mais uma vez, que a viagem à Lua é uma mentira.
No século XXI, pessoas usam de seu tempo livre para sustentar
teorias que não resistem perante as inúmeras evidências dos fatos. Alguns
acontecimentos requerem inúmeras provas materiais para que nós possamos formular
nosso juízo a respeito. Outros, de tão óbvios, ainda precisam de comprovação? É
preciso ainda provar que Elvis Presley, Jonh Lennon e Jim Morrison não estão mais
entre os vivos?
No Brasil, assistimos
nos últimos anos a um movimento, no mínimo surpreendente, de obliteração da
realidade. De recusa da razão, de sua negação.
As derrotas
dos projetos políticos, a descrença na capacidade do Estado de amparar seus
cidadãos, após difíceis cinco séculos, promoveu uma (re)aproximação de parcelas
significativas da população com explicações do mundo buscada alhures, longe do
raciocínio científico e da busca por soluções para os problemas por meio do exame
crítico da realidade. Enquanto o acesso às novas tecnologias se multiplica por
um lado, por outro caminhamos de volta para a caverna, iluminados pela luz azul
turquesa dos aparelhos de celular, para o reencontro com tempo em que perante
os problemas recorríamos às providências do céu. Sob a égide de mitos.
As eleições
de outubro de 2018 materializaram por meio do voto, e dos ritos da democracia à
brasileira, a consagração de um projeto de poder baseado no pensamento religioso,
expresso no lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Uma vertente do
nacionalismo cristão que se arvora contra qualquer explicação do mundo que
possa vir a ter o que os fundamentalistas brasileiros chamam de “viés
ideológico”.
E temos o
início de um novo movimento de catequese movido por setores evangélicos em que
as crianças estão no epicentro dos investimentos de poder. Daí a investida na
escola, enquanto instituição, com vistas a erradicar ideologias supostamente nocivas.
E a ideologia bolsonarista elegeu duas frentes de combates: a “ideologia política”
(denominada de “marxismo cultural” no dia em que tomou posse pelo ministro da educação
Ricardo Vélez-Rodrigues) e a “ideologia de gênero”.
Sob o
pretexto de não permitir o debate político, é estratégico se desfazer da
ciência.
No entanto,
se os problemas da educação se localizassem exclusivamente na doutrinação política
ou de gênero nas aulas de História, os estudantes brasileiros deveriam, então,
apresentar melhores desempenhos em matérias não ideológicas, como Matemática, Biologia
ou Química.
No segundo
dia do governo bolsonarista, durante a solenidade de posse no recém-criado
Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, a ministra Damares Alves após
assumir o cargo gritou palavras de ordem: “Atenção, atenção! É uma nova
Era no Brasil: menino veste azul e menina veste rosa!”. A ministra sinaliza que
pretende, talvez se imaginando como portadora de capacidades divinas, erradicar
do Brasil o amor entre pessoas do mesmo sexo.
A ministra pode até ter poderes divinos, mas se
esquece de que, por vontade própria, não possui poderes para alterar o conceito
de família em vigor no Brasil. Em 2011 o Supremo Tribunal Federal reconheceu
que pessoas do mesmo sexo, se desejarem, poderão constituir uma família,
decisão ratificada em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça, através da Resolução
N°
175 que retira qualquer obstáculo ao casamento civil ou a formalização de união
estável entre pessoas com sexos iguais.
Acreditar que estamos numa nova Era no Brasil, em que
é possível suprimir direitos civis através de palavras de ordem e que os
cidadãos brasileiros irão dizer amém porque a ministra é pastora é o mesmo que
acreditar que nunca pisamos na lua.
Cidadãos brasileiros que pagam impostos e que cumprem
as leis do país não são ovelhas.
Tratar meninas que nascem em barracos sem saneamento
básico, sem acesso a uma educação de qualidade e com pais desempregados como princesas
é querer condená-las a viver com uma venda nos olhos e mascarar a realidade cruel
em que vivem. A apologia a um mundo de príncipes e princesas, no Brasil, revela
um desconhecimento de nossa história, do genocídio indígena, da escravidão, da concentração
de renda. As nossas meninas, desde cedo, travam uma luta diária pela igualdade,
pela cidadania. Muitas delas perderam a vida por isso.
O debate proposto pela “revolução cultural” baseada
na vigilância ideológica que se anuncia é, no mínimo, tratar com cinismo os
reais problemas que atingem a população.
No dia 03 de janeiro, quem sabe movidas por forças
divinas, uma sonda chinesa pousou no lado escuro, e sempre oculto para nós, da
Lua.
À propósito, no livro do apóstolo Lucas, capítulo 12
versículo 2, está escrito o seguinte: “porque tudo o que dissestes nas trevas
será ouvido em plena luz”.
Aviso aos terráqueos: nada que se trama no oculto ficará
escondido.
E quem viver, verá.